terça-feira, 8 de novembro de 2011

JOSHUA SLOCUM


“Terra à vista! Na manhã do dia 19 de Julho de 1895 uma cúpula mística ergueu-se, como uma montanha prateada e solitária, do mar à nossa proa. Embora a terá estivesse completamente escondida pela neblina branca e luzidia que brilhava ao sol como prata polida, estava quase certo de que se tratava da ilha das Flores. Às 4 30 da tarde já estava pelo través. Entretanto a névoa tinha desaparecido. A ilha das Flores fica a 174 milhas do Faial e, embora sendo alta, ficou por descobrir durante muitos anos após a colonização do grupo principal das ilhas.
De manhã cedo, no dia 20 de Julho, avistei o Pico aparecendo por cima das nuvens a estibordo da proa. As terras mais baixas foram surgindo à medida que o sol dissipou o nevoeiro matinal e ilha após ilha começaram a aparecer. Ao aproximar-me mais surgiram os campos cultivados, “ e oh, como são verdes os milheirais!”. Apenas aqueles que tenham visto os Açores do convés de um barco compreendem a beleza das paisagens do meio do oceano. Às 4h 30m da tarde ancorei no Faial, exactamente 18 dias depois do Cabo Sable”.

Foi este o primeiro contacto do navegador solitário Joshua Slocum com os Açores. E foram estas ilhas, mais concretamente a do Faial, a primeira escala daquela que foi a percursora das viagens em solitário à volta do Mundo.
Decorria, então, o ano de 1895 e a vida na Horta e os seus habitantes fascinaram de tal modo este velejador que resolveu ficar por aqui 4 dias.
Deste porto zarpou para Gibraltar com ideias de atravessar o Canal do Suez. Contudo a presença de piratas no Mar Vermelho fê-lo mudar de ideias e tentar atingir o Pacífico pelo sul das Américas. Ironicamente é fora das costas marroquinas que foi perseguido por uma feluca tripulada por piratas mouros.
Conhecedor profundo do regime dos ventos, aproveita os alísios de NE que o levam a Pernambuco onde fundeia 40 dias após a partida de Gibraltar.
Depois é a descida das costas da América do Sul, onde encalha, até ao Estreito de Magalhães.
Embora seja uma navegação quase impossível para um veleiro, o Spray, assim se chama o seu yacht, consegue atravessar este estreito e atingir o Oceano Pacífico, não sem passar por muitas e agitadas peripécias.
Aqui, um temporal obriga-o a partir em fuga e, confundindo a ilha Fury com o Horn, mete-se através duma zona terrível de rochedos e baixios conhecida por Milky Way.
Nova travessia de parte dos canais da Patagónia e Slocum navega rumo ao Pacífico Sul, fazendo escala em Juan Fernandez. Nesta ilha encontra um açoriano, Manuel Carroça, que fora baleeiro nos veleiros americanos e a quem chamavam Rei.
Embora passando perto das Marquesas, Slocum prossegue, sem escalas, até às ilhas Samoa, fundeando em Appia a 16 de Julho de 1896, quase um ano após a sua chegada à Horta.
Newcastle e Sydney, na Austrália, são os destinos seguintes. O Spray tenta dobrar o Cabo Leewin, mas o mau tempo obriga-o a rumar ao Estreito de Torres, depois de uma escala na Tasmânia.
Ilhas Thursday, Cocos Keeling, Rodriguez, Maurícias e a chegada a Durban no outro lado do Índico.
Capetown é o início da 3ª travessia do Atlântico, rumo a casa, via Sta. Helena, Ascenção, Granada e Antigua.
No dia 27 de Junho de 1898 o Spray ancora em Newport RI e Joshua Slocum termina, assim, a primeira circum-navegação de um navegador solitário.


O Navegador

Joshua Slocum nasceu no Canadá em 1844, naturalizando-se americano. Descendente de ingleses, desde criança que se habituou ao convívio com o mar.
Após uma carreira como marinheiro de longo curso, chegou a capitão e a armador de grandes veleiros.
Naufragou nas costas do Brasil com a sua barca Aquidneck que comandava havia já 20 anos. A fim de regressar aos Estados Unidos, construiu um barco de 10,5 m de comprimento que aparelhou em junco e ao qual chamou Liberdade.
Chegou a Washington em 1888 e começou a procurar trabalho na construção naval ou o comando de um navio.
Em 1892, um amigo ofereceu-lhe um barco arruinado que reconstruiu e a bordo do qual realizou a sua viagem de volta ao Mundo.
Esta circum-navegação foi relatada no seu livro “Sailing alone around the World”, um clássico da literatura marítima, no qual Slocum deixou transparecer bem as suas artes de marinheiro, humildade e, também, o seu grande sentido de humor.
Instalou-se em West Tibury e os Invernos começaram a ser passados em Grand Cayman, nas Antilhas.
Joshua Slocum desapareceu no mar, a bordo do Spray, no Outono de 1909.



O Veleiro

O Spray começou a sua carreira como barco pesqueiro na costa leste dos Estados Unidos.
Após muitos e muitos anos dedicados, principalmente à pesca das ostras, foi abandonado num prado nas cercanias de Fairhaven.
E ali teria acabado os seus dias se o Capitão Eben Pierce não o tivesse oferecido ao seu amigo Joshua Slocum.
Com cerca de cem anos e, praticamente, destruído, até as autoridades já tinham perdido o rasto dos documentos do Spray. Mesmo assim havia conhecimento de que tinha pescado ostras no Delaware e que passara por Noank e New Bedford.
No fim de contas foi um barco novo que Slocum construiu sobre os destroços que lhe tinham sido oferecidos.
Terminados os trabalhos, e aparelhado em sloop, o Spray regressou ao mar.
Depois de uma breve tentativa nas pescas e, definitivamente, considerado um yacht com as seguintes características:
Comprimento de fora a fora 11,2 m
Boca 4,32 m
Tonelagem bruta 12,7 t
Aparelhação Sloop com vela quadrangular
Apesar das suas óptimas características e facilidade em manter o rumo, o Spray foi aparelhado em yawl em Puerto Angosto, Patagónia, a fim de repartir a sua área vélica, aparelhação que manteve até ao fim.


João Carlos Fraga

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